14º Salário para agentes de saúde
Até a edição dos novos regramentos referentes aos agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias, que dizem respeito principalmente ao piso nacional das categorias, à assistência financeira complementar da União (AFC) e ao incentivo financeiro para fortalecimento de políticas afetas à atuação dos ACS e ACE, não havia qualquer previsão no ordenamento jurídico brasileiro de um direito desses profissionais – ACS e ACE – ao recebimento de um 14º salário.
Tal afirmação é comprovada pela análise detida da legislação específica que são as Emendas Constitucionais nº 51/2006 e 63/2010, que alteraram o art. 198 da Constituição para dar tratamento jurídico a essas duas categorias de profissionais e a Lei 11.350/06, que rege as atividades de Agente Comunitário de Saúde e de Agente de Combate às Endemias, bem como pela análise da legislação comum a todos os trabalhadores (estatutários e regidos pela CLT), que não menciona para nenhuma espécie de trabalhador o direito a um 14º salário.
A nova legislação específica que também rege as atividades dos ACS e ACE, quais sejam a Lei 12.994/14, Decreto 8.747/14 e Portarias do Ministério da Saúde nº 1024, 1025 e 1243 de 2015, de igual modo em nenhum momento prevê um direito especial para esses trabalhadores. Os referidos atos normativos tratam minuciosamente do piso salarial dos ACS e ACE, da assistência financeira complementar (AFC) a ser repassada pela União aos demais entes federados em 12 parcelas mensais e mais uma parcela extra, bem como do incentivo financeiro (IF) a ser repassado em somente 12 parcelas mensais, mas de nenhum modo mencionam a existência de um direito a um 14º salário, nem tampouco que os recursos repassados a título de AFC e incentivo financeiro devam compor um salário extraordinários para os ACS e ACE.
Em síntese, nâo encontra nenhum respaldo constitucional ou legal a exigência por parte dos agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias de pagamento de um 14º salário, não sendo obrigatório o pagamento deste pelos municípios que tem esses profissionais em seus quadros.
PORTANTO EIS A QUESTÃO: É LEGAL PAGAR 14º SALÁRIO?
Para responder a este questionamento é necessário fixar alguns conceitos inerentes às verbas que integram a remuneração, em sentido amplo, dos agentes públicos, ou seja, seu sistema remuneratório. Com efeito, a primeira espécie que compõe esse sistema é a remuneração básica, que se consubstancia nas subespécies subsídio, vencimento ou salário.
SUBSIDIO
Subsídio é a denominação atribuída à forma remuneratória de certos cargos, por força da qual a retribuição que lhes concerne se efetua por meio dos pagamentos mensais de parcelas únicas, ou seja, indivisas e insuscetíveis de aditamentos ou acréscimos de qualquer espécie.
VENCIMENTO
Vencimento é a retribuição pecuniária que o servidor percebe pelo exercício de seu cargo, conforme a correta conceituação prevista no estatuto funcional federal (art. 40, Lei n. 8.112/90). Emprega-se, ainda, no mesmo sentido vencimento-base ou vencimento padrão. Essa retribuição se relaciona diretamente com o cargo ocupado pelo servidor: todo cargo tem seu vencimento previamente estipulado.
SALÁRIO
No caso de servidor trabalhista, sua remuneração básica é o salário, pago pelo empregador como contraprestação do serviço, como define o art. 457 da CLT, embora por vezes seja adotada erroneamente denominação diversa. Como Estado e servidor celebram contrato de trabalho, de caráter oneroso e sinalagmático, a prestação do serviço pelo servidor empregado e a sua retribuição pelo salário figuram como elementos essenciais do negócio.
Essas três subespécies remuneratórias têm em comum o pagamento feito periodicamente em função de um trabalho permanente, sendo que, historicamente, tem-se adotado a periodicidade mensal, a qual se encontra, inclusive, subentendida no art. 37, XI, da Constituição da República, litteris:
XI — a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, [...]
Pois bem, além da remuneração básica, já citada, temos outra espécie remuneratória denominada pelo rótulo vantagens pecuniárias.
A esse respeito, vale transcrever a lição de Hely Lopes Meirelles ( Direito administrativo brasileiro. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 449. )
Vantagens pecuniárias são acréscimos ao vencimento do servidor, concedidas a título
definitivo ou transitório, pela decorrência do tempo de serviço (ex facto temporis), ou pelo desempenho de funções especiais (ex facto officii) ou em razão das condições anormais em que se realiza o serviço (propter laborem), ou, finalmente, em razão de condições pessoais do servidor (propter personam). As duas primeiras espécies constituem os adicionais (adicionais de vencimento e adicionais de função), as duas últimas formam a categoria das gratificações (gratificações de serviço e gratificações pessoais). Todas elas são espécies do gênero retribuição pecuniária, mas se apresentam com características próprias e efeitos peculiares em relação ao beneficiário e à administração, constituindo os “demais componentes do sistema remuneratório” referidos pelo art. 39, §1º, da CR. Somadas ao vencimento (padrão do cargo), resultam nos vencimentos, modalidade de remuneração. (grifo nosso)
Contudo, outras verbas distintas dos adicionais e gratificações são pagas a título de vantagens pecuniárias, tais como os abonos, prêmios e verbas de representação, tudo a depender do estatuto funcional a que está submetido o agente público
De acordo com a sistematização da Lei 8.112 (art. 49), existem três espécies de vantagens pecuniárias (indenizações, gratificações e adicionais), mas em verdade, são de quatro ordens, pois ainda há outras catalogadas como “benefícios” da seguridade social.
Optamos por classificar as indenizações (verbas indenizatórias) e os benefícios da seguridade social em categorias distintas das vantagens pecuniárias, justamente por não refletirem efetivamente um acréscimo econômico ao patrimônio de quem os recebe. quanto às vantagens pecuniárias, quanto à finalidade da verba de natureza indenizatória, qual seja, “ressarcir despesas a que o servidor seja obrigado em razão do serviço, compreendendo (1) ajudas de custo [...]; (2) diárias [...]; (3) transporte [...]; e (4) auxílio-moradia [...]”
Já os benefícios da seguridade social objetivam assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
Fixados esses conceitos, percebe-se que a rubrica “14º salário”, no âmbito da administração pública, vem sendo utilizada inadvertidamente para se referir ao pagamento tanto de verbas remuneratórias quanto de verbas indenizatórias.
O mesmo se dá na iniciativa privada, onde há distribuição de lucros e resultados, prêmios por produtividade e abono salarial, dentre outras verbas, todas pagas sob o rótulo “14º salário”.
Tendo por base as referidas considerações, verifica-se que a verba denominada “14º salário” não se ajusta ao conceito de remuneração básica, porquanto não se trata de subsídio, vencimento ou salário, os quais consubstanciam o núcleo remuneratório que, como visto, é pago em periodicidade mensal e, consequentemente, limitado a 12 parcelas anuais.
Não se ajustando ao conceito de remuneração básica, é inevitável a conclusão acerca da impropriedade da expressão “14º salário”, haja vista que, independentemente de sua natureza jurídica, sua interpretação literal, ou seja, o emprego da nomenclatura salário, remete a uma 14a remuneração básica mensal, em absoluta falta de sintonia com nossa realidade histórico-cultural, porquanto é impossível o pagamento, por unidade de tempo, de um 14° salário, uma vez que o calendário gregoriano possui apenas 12 meses.
A única ressalva a esta conclusão encontra-se na expressão 13° salário — vantagem pecuniária também conhecida por gratificação natalina —, que não obstante tenha natureza jurídica de gratificação, conforme precedente do STF (AgRg no RE n. 385.884/SE, DJ de 26/10/2004), por questões históricas teve o seu nomen iuris incorporado ao texto constitucional como salário, figurando, hoje, dentre os direitos sociais constantes do art. 7º da Constituição.
Nesse contexto, à exceção do 13° salário, não se deve admitir o pagamento de nenhuma outra verba remuneratória (remuneração básica acrescida ou não de vantagens pecuniárias), indenização ou benefício sob o título de 14°, 15°, 16° salário e assim por diante.
Não obstante a clareza desse raciocínio, vale repetir que vários órgãos e entidades públicas vêm pagando, inadvertidamente, as mais diversas espécies de estipêndio aos seus membros e servidores sob o rótulo “14º salário”.
No caso de verbas remuneratórias, tal prática, além da aludida impropriedade do nomen iuris, pode dissimular a composição da efetiva remuneração mensal, que, em termos reais, pode projetar-se para além do teto remuneratório mensal, em contrariedade aos limites estabelecidos na Constituição (art. 37, XI).
Assim, se por remota hipótese entendêssemos possível o recebimento desta verba, seu pagamento anual, por exemplo, dependeria da aferição da compatibilidade da remuneração mensal real com o limite constitucional ao qual está submetido todo agente público.
Essa aferição se daria mediante o acréscimo de 1/12 da verba paga sob a rubrica “14º salário” ao valor de sua remuneração mensal (salário ou vencimento + vantagens pecuniárias), de modo que o resultado dessa operação é o que seria confrontado com o teto remuneratório.
Nessas circunstâncias, respondo à primeira indagação do consulente, asseverando que não é devido qualquer pagamento sob o rótulo de “14º salário” a agente público, porquanto o ordenamento jurídico-positivo adotou como padrão o sistema remuneratório por unidade de tempo, em que a remuneração devida é aferida como contraprestação mensal pelo serviço prestado ou colocado à disposição do Estado
Conclusão:
Não é devido o pagamento de verba sob a rubrica “14º salário” a qualquer agente público, porquanto o ordenamento jurídico-positivo adotou como padrão o sistema remuneratório por unidade de tempo em que a remuneração devida é aferida como contraprestação mensal pelo serviço prestado ou colocado à disposição do empregador.
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