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Resiliência no desenvolvimento:
a importância da primeira infância
Ann S. Masten, PhD., Abigail H. Gewirtz, PhD.
University of Minnesota, EUA
Março 2006 (Inglês). Tradução: junho 2011
Introdução
Resiliência – do latim resilire (recuar ou dar um passo atrás) – é um conceito geral relativo à adaptação positiva em um contexto de mudança. Nos campos da física e da engenharia, a resiliência refere-se normalmente à capacidade de um corpo suportar estresse ou tensão sem se romper, ou à capacidade de recobrar sua forma original, como no caso de uma mola ou de um elástico. Na ciência do desenvolvimento humano, a resiliência tem um significado amplo e diversificado, o que inclui a recuperação do indivíduo após experiências traumáticas, a superação de desvantagens para alcançar o sucesso, e a resistência a situações estressoras para cumprir tarefas cotidianas.1,2 Essencialmente, a resiliência refere-se a padrões positivos de adaptação ou de desenvolvimento manifestados no contexto de experiências adversas.
Embora relatos sobre resiliência venham fascinando as pessoas há milhares de anos, através de inúmeras histórias sobre indivíduos que triunfaram em situações de adversidade, foi somente nas décadas de 1960 e 1970 que teve início o estudo científico da resiliência.2,3-5 No entanto, grandes progressos foram feitos nas primeiras quatro décadas de pesquisa, e é claro que a primeira infância se constitui em uma etapa importante para compreender e promover a resiliência.2 Durante esses anos, as raízes da competência foram estabelecidas, e muitos dos mais importantes sistemas protetores do desenvolvimento humano vieram à tona. Algumas crianças desenvolvem resiliência por meio de processos naturais, enquanto outras necessitam de ajuda. Esses primeiros anos de vida são altamente promissores para intervenções que virão prevenir e reduzir riscos, impulsionar recursos, promover a competência e estabelecer uma base sólida para o desenvolvimento futuro.
Do que se trata
O entendimento da resiliência que ocorre naturalmente fornece pistas importantes para políticas e práticas destinadas a promover o desenvolvimento mais saudável de crianças ameaçadas por condições adversas ou desvantajosas. Também é necessário aprender como promover mudanças positivas, de modo que as possibilidades favoráveis para o desenvolvimento possam ser melhoradas. Para testar as ideias que nascem a partir das pesquisas sobre a resiliência, são necessários estudos de prevenção e de intervenção, a fim de identificar quais são os objetivos, os métodos e os momentos do desenvolvimento mais adequados para intervenções, e também para identificar quais abordagens funcionam melhor, e para que público.4-12
Problemas
Para estudar a resiliência, é preciso defini-la e operacionalizá-la. Isto provou ser um desafio por vários motivos. Primeiro, a resiliência guarda relação com uma variedade de fenômenos, tais como a recuperação após a perda de um dos pais, a normalização do comportamento de uma criança após sua saída de uma instituição ao ser adotada, o sucesso escolar de crianças que crescem em condições de pobreza ou em vizinhanças perigosas, e a saúde mental de crianças cujos pais têm distúrbios mentais.1,3 Segundo, a resiliência é um constructo inferencial que envolve juízos humanos sobre resultados desejáveis e indesejáveis, bem como definições de ameaça ou risco.3,4,8,13 Os pesquisadores devem definir os critérios acerca do que significa “dar-se bem na vida” e também determinar os padrões e as medidas que classificam a adversidade ou o risco que a criança enfrenta.8 Uma criança que tem desenvolvimento adequado pode ser reconhecida como adaptativa ou competente, mas não precisa necessariamente manifestar resiliência, a menos que tenha sido atingido um limite explícito ou implícito de risco ou de adversidade. Está claro também que existem múltiplos critérios para estabelecer um juízo sobre o que é sucesso na vida; a adaptação (boa ou má) é necessariamente multidimensional e multifacetada por natureza. Assim, não surpreende a variedade de definições e medidas, que complicam imensamente as comparações entre os estudos e a tarefa de construir um conjunto coerente de conhecimentos sobre resiliência ao longo do desenvolvimento.
Terceiro, é provável que muitos processos em níveis variados de análise estejam envolvidos na resiliência humana.5,14 Para compreender a resiliência, é preciso compreender a complexidade tanto da adaptação quanto do desenvolvimento dos sistemas vivos ao longo do tempo, desde “neurônios até comunidades”,15 e ainda mais. No entanto, a primeira geração de achados de pesquisas sobre resiliência foi extraordinariamente consistente, sugerindo a influência de processos poderosos, embora comuns do ponto de vista adaptativo.8
Contexto de pesquisa
Pesquisas sistemáticas sobre resiliência na infância surgiram a partir de estudos de vulnerabilidade e risco na busca das causas dos distúrbios mentais.1,11,16 Os pesquisadores começaram a estudar crianças que apresentavam elevado risco de problemas, muitas vezes devido a distúrbios mentais ou situações de estresse na família, ou ainda devido a desvantagens sociais e à pobreza. Os objetivos desses pioneiros nessas pesquisas – como Norman Garmezy, Lois Murphy, Michael Rutter, Arnold Sameroff, e Emmy Werner – eram que fosse estabelecida uma conduta de integração e colaboração entre cientistas clínicos e do desenvolvimento. Tais colaborações formaram uma nova ciência da resiliência no campo do desenvolvimento, ao mesmo tempo, ensejaram o surgimento da psicopatologia do desenvolvimento.5,8,17 A grande contribuição desses pioneiros foi reconhecer o potencial da pesquisa sobre resiliência para subsidiar práticas e políticas voltadas a um melhor desenvolvimento para crianças de alto risco.
Questões-chave de pesquisa
Estudos sobre o desenvolvimento da resiliência apresentam com frequência as seguintes questões:
O que explica resultados positivos em relação ao desenvolvimento ou à recuperação de crianças que vivenciam situações de perigo?
Quais são os processos naturais de proteção para o desenvolvimento humano?
Quais são as estratégias de intervenção mais eficazes para promover o desenvolvimento positivo de crianças com elevado potencial de risco de enfrentar problemas?
Embora focalizem resultados positivos e suas causas, os pesquisadores da resiliência também reconhecem a importância de compreender os riscos e as ameaças para o desenvolvimento e como reduzi-los ou eliminá-los.
Resultados de pesquisas recentes
Na pesquisa sobre desenvolvimento, há uma impressionante convergência de temas tais como competência, resiliência, problemas comportamentais e emocionais, desenvolvimento do cérebro e ciência da prevenção, todos ressaltando a importância da primeira infância para a construção de mecanismos de proteção em múltiplos níveis do desenvolvimento humano, nos contextos da criança, da família, da comunidade e de suas interações.2,10,15,18 Problemas de aprendizagem e autocontrole muitas vezes começam na idade pré-escolar e estão relacionados à qualidade dos cuidados parentais disponíveis.10,19-21 Programas eficazes de intervenção preventiva durante os primeiros meses de vida e nos anos pré-escolares apoiam os cuidados parentais de diversas maneiras, e proporcionam ricos ambientes de aprendizagem para as crianças.2 O sucesso inicial na escola – relacionado a cuidados eficazes, conexões casa-escola positivas e práticas de sala de aula eficazes – parece ser uma resposta-chave para a resiliência, especialmente para as crianças em condições muito desfavoráveis.2 Sistemas de cuidados que se concentram na construção de competências e de pontos fortes em crianças pequenas e suas famílias, ao lado da redução de riscos e da resolução imediata dos problemas, têm produzido sucessos promissores.9,12,15,18
A neurobiologia da resiliência também começa a ser percebida.14,22 Novos dados sobre o desenvolvimento e a plasticidade do cérebro, a maneira como o estresse interage com o desenvolvimento e a ação combinada de herança genética e experiência na estruturação do desenvolvimento prometem revolucionar a ciência da resiliência e da prevenção.
Conclusão
Pesquisas sobre resiliência indicam que, durante a primeira infância, é importante que as crianças recebam cuidados de boa qualidade e tenham oportunidades de aprendizagem, nutrição adequada e apoio da comunidade para as famílias, facilitando o desenvolvimento positivo das capacidades cognitivas, bem como das habilidades sociais e de autorregulação. Crianças com relações de apego saudáveis e com bons recursos adaptativos naturais tendem a ter um bom início de vida, equipando-se com o capital humano e social que lhes permitirá ter sucesso ao ingressar na escola e na sociedade. Essas crianças geralmente manifestam resiliência face à adversidade enquanto suas habilidades fundamentais de proteção e seus relacionamentos continuam a funcionar e a se desenvolver. As maiores ameaças a crianças pequenas ocorrem quando os principais sistemas de proteção para o desenvolvimento humano são prejudicados ou descontinuados. Na primeira infância, é particularmente importante que as crianças tenham o sentimento de segurança garantido por laços de apego com cuidadores competentes e afetuosos, bem como a estimulação e a nutrição necessárias para o desenvolvimento saudável do cérebro, e oportunidades para aprender; que vivenciem o prazer de dominar novas habilidades, e que recebam do ambiente limites e estrutura indispensáveis para desenvolver o autocontrole.
Implicações
Tanto as pesquisas sobre resiliência quanto os estudos sobre o desenvolvimento normal e a ciência da psicopatologia e da prevenção destacam a importância da primeira infância para o estabelecimento de proteções fundamentais oferecidas às crianças por relacionamentos positivos, desenvolvimento saudável do cérebro, habilidades de autorregulação adequadas, apoio da comunidade para com as famílias e oportunidades de aprendizagem. Um referencial de resiliência para os sistemas de cuidados emergiu com ênfase na construção de pontos fortes e de competências para crianças, suas famílias, seus relacionamentos e as comunidades em que vivem.9,11 Está claro que muitas crianças nas sociedades modernas enfrentam riscos múltiplos e cumulativos, que demandam diversas intervenções de proteção e esforços abrangentes para prevenir ou diminuir os riscos para as crianças e suas famílias. Nenhuma criança é invulnerável e, com o aumento dos níveis de risco, é cada vez menor o número de crianças que ficam isentas das consequências de adversidades. A primeira infância é um período crucial de oportunidades para que as famílias e a sociedade garantam às crianças os recursos e as proteções necessárias para o desenvolvimento das ferramentas adaptativas e dos relacionamentos necessários para enfrentar o futuro bem preparadas.
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Marcos Felix - ACS-Recife-PE
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